A ciência não substituiu a religião, nem tem o potencial para fazê-lo. As duas equivalem a formas diferentes de conhecer: objetiva e subjetiva; ascendente e descendente. A ciência busca o conhecimento do reino objetivo em um esforço para dominá-lo, enquanto a religião busca o conhecimento do reino subjetivo em um esforço para servi-lo. A ciência pode nos dizer muito sobre o mundo objetivo em grande detalhe, e isso, por sua vez, lhe dá credibilidade. A religião, por outro lado, pode nos dizer muito sobre o mundo subjetivo, o qual é naturalmente evasivo em comparação com o reino objetivo.
No entanto, o fato de que o subjetivo, a consciência, escapa até mesmo à definição, já que não há nada semelhante para compará-lo e defini-lo, não o torna de modo algum menos significativo. De fato, sua natureza elusiva fala alto sobre a loucura de tentar reduzi-lo à matéria. Nunca obteremos experiência em primeira pessoa da vida com a matéria cerebral, assim como não experimentaremos a vida a partir do ponto de vista de um conjunto de bolas de bilhar. Ambos são apenas matéria e, portanto, não experienciais. Enquanto a matéria é experimentada, é a consciência que experimenta. Sendo categoricamente diferente da matéria, e não do mundo natural, a consciência não está confinada pelo tempo e espaço. Sempre existiu e sempre existirá. Ela é a existência experienciadora em primeira pessoa, sem a qual a matéria não tem valor. Enquanto a consciência cria a ciência, a religião verdadeira apenas se submete a um estudo da consciência.
Assim, a religião é o círculo maior dentro do qual a ciência está contida. A ciência é um círculo menor de preocupação, preocupação com coisas materiais, enquanto as coisas mais importantes na vida não são coisas. Aquilo que atribui valor às coisas é mais importante do que as coisas em si mesmas. E entender essa “coisa”, a consciência, requer uma metodologia subjetiva. A prática espiritual real, a yoga como uma disciplina espiritual que pode ser incorporada a qualquer ego em particular, deixando de lado a ideia sobrenatural, proporciona uma experiência tangível da natureza duradoura da consciência. E por mais que a ciência busque subverter ou reduzir o reino subjetivo ao reino objetivo, transformando a consciência em matéria, ela se auto destrói, se auto engana.
A tentativa de reduzir a consciência à matéria elimina (em teoria) um “eu” duradouro e real, e tal cientificismo se torna nada mais do que um sistema de crenças mal fundamentado, um naturalismo metafísico. Isso ocorre porque não há nenhuma evidência observável que demonstre conclusivamente que a consciência é redutível à matéria e, portanto, acreditar nisso requer um salto de fé e, novamente, irracional, porque acreditar que a consciência não importa, que ela não é um agente causal, é contradizer a maneira como vivemos. É só uma conversa que ninguém pode trilhar. Isso constitui uma contradição performativa na medida em que propõe uma ideia (que nosso senso consciente de si mesmo é uma ilusão) que é contrariada pelo próprio ato da proposta. É como dizer: “Estou morto”. Sob escrutínio, tal “ciência”, que é ilógica e indiscutivelmente supersticiosa, pertence à mesma arena que seu oponente, a religião fundamentalista.
Há uma lista de aproximadamente cem perguntas que a ciência ainda não foi capaz de responder. No topo da lista estão as perguntas: “Do que é feito o universo?” e “Qual é a composição biológica da consciência?”. Estas são certamente duas questões extremamente significativas. Mas observe que a segunda pergunta revela um viés distinto, um viés que tem muito a ver com o motivo pelo qual a pergunta permanece sem resposta. A pergunta deve ser reformulada: “Existe uma composição biológica para a consciência?” A resposta simples então é “Não”, tanto intuitivamente quanto logicamente.
Cientificamente falando, a evidência observável nos leva a supor que não há nada na matéria como a experiência. Átomos não produzem experiência. A experiência não vem da não-experiência. Mas é da experiência que a consciência trata. Enquanto a consciência se expressa através da matéria e, portanto, há uma correlação entre a consciência e o cérebro, a correlação não é causalidade. Tal correlação é um dado, enquanto a causalidade é outra coisa completamente diferente. E se existe uma relação causal entre matéria e consciência, é mais razoável concluir que a consciência é a agente causal.
Assim, a morte biológica não tem nada a ver conosco porque somos os experimentadores. Somos consciência. Não somos apenas a percepção (que é um aspecto da consciência), mas somos a própria consciência, o experimentador. Esse experimentador não é o ego convencional ou nossa identidade como americano,brasileiro ou indiano, e assim por diante. Esse ego, essa identidade, é sem dúvida falsa — uma ilusão. Quando falamos de consciência, nos referimos ao conceito de “eu” de William James, em oposição ao seu “mim”. Seu ‘mim’ é o ego convencional, mas seu ‘eu’ é uma unidade da própria existência experiencial. Este é o atma sânscrito. Ele não morre junto com a morte biológica porque não é de natureza biológica. Apenas o “mim” morre junto com o organismo biológico. Assim a morte é um problema para aqueles que estão absorvidos em uma identidade derivada do apego às coisas e à ordem biológica da vida. Para quem conhece a si, o problema da morte está resolvido. A religião é para resolver o problema da morte. A ciência nunca fará isso.
A ciência moderna nasceu como cristã. Na adolescência tornou-se agnóstica. E agora em sua vida adulta, estamos observando que está se tornando atéia. Mas para que a ciência viva até a velhice, ela deve se tornar mística. O misticismo é o ponto de encontro da religião real e da ciência real. Somente lá elas podem encontrar um terreno comum e complementar uma à outra. Quando a ciência está dedicada principalmente no propósito de facilitar a busca da humanidade em sondar as profundezas da consciência propriamente dita – estudar o mundo natural para melhor facilitar a busca do sobrenatural – ela encontra seu verdadeiro significado e, ao mesmo tempo, a religião se torna bem informada sobre o mundo natural.
(Artigo original em http://swami.org/articles/?post=mysticism-when-science-and-religion-converge)
Traduzido por Pranavananda das e revisado pela equipe do site.