Por Śrī Rūpa Goswāmī, com comentários de Swāmi BV Tripurāri
Texto 1
śrī-gauḍa-deśe sura-dīrghikāyās
tire ’ti-ramye iha puṇyamāyyāḥ
lasantam ānanda-bharṇea nityaṁ
taṁ śrī-navadvīpam ahaṁ smarāmi
Mergulhado em meditação, me lembro de Śrī Navadvīpa-dhāma, brilhando eternamente, saturado de ānanda — óh, que encantador! — aqui, em Gauḍa-deśa, no lado do dīrghikā ao longo da margem oriental da pura e celestial Gaṅgā.
Comentário
Neste aṣṭakam, Navadvīpa refere-se a nove (nava) ilhas (dvīpa) formadas no delta da Gaṅgā, onde o imortal Ganges desemboca no mar no que hoje se conhece como a Baía de Bengala. Em seu aṣṭakam, Śrī Rūpa compartilha duas visões — a espiritual e a geográfica —, costurando naturalmente entre elas, como se fossem uma só. A Navadvīpa de Śrī Rūpa é cintilante com ānanda, no entanto, fica em Gauḍa-deśa, um ponto geográfico conhecido hoje como Bengala Ocidental. E, na visão de Śrī Rūpa, a cidade de Navadvīpa encontra-se na margem Oriental da Gaṅgā. Sabemos disso pela indicação mencionada neste verso: o dīrghikā, um grande reservatório d’água, construído no século XII, durante o reinado do rei hindu Ballāla Sen, é ainda visível hoje em dia.
Contudo, nem todas as nove ilhas de Navadvīpa poderiam estar na margem Oriental, tampouco são retratadas assim em textos posteriores ¹. Mais adiante em seu aṣṭakam, Śrī Rūpa refere-se aos ghāṭas (balneários), onde Gaurasundara banhava-se e também à residência de Jagannātha Miśra, onde nasceu seu filho Viśvambhara. Portanto, a referência de Rūpa à margem Oriental refere-se a Māyāpura, centralizada na ilha chamada Antardvīpa, que é o epicentro de toda Navadvīpa. Além disso, todos os Gauḍīya Vaiṣṇavas concordam que Gaura Hari surgiu em Navadvīpa/Māyāpura. No entanto, hoje em dia, nem todos os Gauḍīya Vaiṣṇavas concordam sobre onde fica Māyāpura e onde fica o local de nascimento de Gaurasundara, em virtude da mudança de curso do Ganges ao longo dos últimos cinco séculos e meio. E hoje a atual cidade de Navadvīpa encontra-se à margem Ocidental da Gaṅgā.
Mas a atual cidade de Navadvīpa é, sem sombra de dúvida, um desenvolvimento urbano posterior. Mesmo assim, segundo creem alguns devotos, o local de nascimento de Gaura fica na margem Ocidental da Gaṅgā. Com isso, eles obviamente discordam do aṣṭakam de Śrī Rūpa ². Todavia, se for possível dividir a história da Bengala Ocidental em dois períodos — pré-Caitanya e pós-Caitanya —, como deveria ser, não há ninguém da era pós-Caitanya no mundo contemporâneo cuja contribuição ao Gauḍīya Vaiṣṇavismo na região e a partir dela no mundo inteiro, exceda àquela de Kedarnātha Bhaktivinoda. Segundo determinou Ṭhākura Bhaktivinoda, inspirado por sua visão em samādhi e pela subsequente pesquisa empírica, juntamente com a confirmação de seu śikṣā-guru, Jagannātha dāsa Bābājī, Māyāpura, o local de nascimento de Gaura, encontra-se na margem Oriental da Gaṅgā de hoje em dia, como menciona Rūpa em seu aṣṭakam da época.
Depois da partida de Ṭhākura Bhaktivinoda, seu sucessor, Bhaktisiddhānta Saraswatī Ṭhākura, seguiu a visão e as orientações de Bhaktivinoda para desenvolver o local de nascimento de Śrī Caitanya e construir um templo glorioso (o adbhuta mandira, conforme a profecia) ali ³. Já durante a escavação do local onde fica o templo do Yogapīṭha, descobriram uma mūrti de Adhokṣaja de vinte centímetros feita de pedra negra, diferente de qualquer outra murti do século XX. Segundo apontaram os arqueólogos, esta murti de Viṣṇu tem mais de quinhentos anos, e, segundo nos revelam as escrituras, Jagannātha Miśra adorava essa deidade em sua casa, onde nasceu Śrīman Viśvambhara Miśra — Gaura Hari. Os salientes ossos da bochecha da mūrti e também sua mandíbula quadrangular espelhavam as características dos habitantes da área de Sylhet, indicando que a murti muito provavelmente foi esculpida em Sylhet, onde a família de Miśra viveu antes de se mudar para Navadvīpa.
Notas
1. Os antigos textos Gauḍīyas não mencionam nove ilhas em particular. As antigas referências às ilhas encontram-se no Sri Gaura-Govindārcana-Smaraṇa-Paddhati do século XVII, de autoria de Dhyānacandra Goswāmī e no Bhakti-ratnākara de Narahari Cakravartī.
2. Por volta do final do século XIX, o local exato de nascimento se perdeu, e isso aconteceu concomitantemente à mudança do curso do Ganges, embora muitos presumissem que ficasse na margem Ocidental do Ganges, em algum lugar na área da atual cidade de Navadvīpa. Mas foi dali, do terraço do Rānī Dharmaśālā em 1887 que Bhaktivinoda teve uma visão mística do verdadeiro local do outro lado do rio. Após apoiar sua experiência mística usando dados empíricos e referências das escrituras, o local passou a ser honrado. Contudo, em 1914, Brajamohana dāsa fez uma objeção a essa descoberta e propôs um local alternativo na outra margem do Ganges. Eu indico aos leitores o artigo de 1985 do Professor KN Mukherjee, “Um estudo para o local de nascimento de Sri Chaitanya” do jornal indiano de Sistemas de Mapeamento e Estudos Ecológicos”, publicado pela Universidade de Calcutá. Este estudo objetivo (o único dessa espécie) concorda com a opinião de Bhaktivinoda, segundo a qual as provas empíricas e das escrituras favorecem a margem Oriental do Ganges de hoje em dia.
3. Em seu Navadvīpa-dhāma-māhātmya, quinto capítulo, Bhaktivinoda escreve: “Um templo glorioso (adbhuta mandira) surgirá de onde o nitya-sevā a Gauranga manifestar-se-á”.
(Artigo original em https://harmonist.us/2023/04/sri-navadvipa%e1%b9%a3%e1%b9%adakam-1/ )
Traduzido por Mahakala das e Yogamaya dd, revisado pela equipe do site.