Eu estava caminhando com Srila Prabhupada uma vez e um dos meus irmãos espirituais perguntou: “Prabhupada, o Ekadasi é auspicioso ou inauspicioso?” Em outras palavras, observamos certas práticas no Ekadasi porque a configuração estelar é inauspiciosa e tentamos neutralizar essa influência, ou é simplesmente auspicioso observar Ekadasi? E se é auspicioso, por que fazemos coisas como jejuar e assim por diante? Prabhupada respondeu: “Ekadasi é o mais auspicioso, e não é sobre jejuar, é sobre festejar.”
Upavasa (jejum) também significa ‘residir’ (vasa) perto (upa), e assim o princípio verdadeiro de Ekadasi é residir perto de Bhagavan. Não é sobre jejum; é sobre se aproximar de Deus. Embora todos os dias sejam dias de Deus, dois dias foram apontados como “dia de Hari” para enfatizar o ponto. A esperança é que passemos estes dias a aproximarmo-nos de Bhagavan através de Hari-bhakti, e ao descobrirmos como estas experiências são agradáveis, acabaremos por fazê-las todos os dias até a eternidade. É em torno desta ideia que deve girar a nossa observância do Ekadasi. Se o jejum só me dá sono ou orgulho, qual é o seu valor?
Quando eu estava residindo na Caitanya Saraswat Math, nós tomávamos prasadam de Ekadasi no dia de Ekadasi, mas havia um devoto de outra math que residia ali que observava sempre Nirjala Ekadasi, jejuando de toda a comida e água. Enquanto o resto dos devotos sentavam-se e almoçavam, ele andava por perto deles e cantava Harinama muito alto. E apesar de estar cantando Harinama, se você escutasse com cuidado ouviria “Apenas veja meu padrão, vocês estão comendo, mas eu estou observando Nirjala Ekadasi!”. O seu jejum estava somente aumentando seu orgulho, que não tem a capacidade de nos aproximar de Hari e, assim, cumprir o objetivo subjacente ao Ekadasi-vrata.
Em outra ocasião, na mesma math, havia um sannyasi irmão espiritual meu de visita, e durante o arati ele liderou o kirtan enquanto saltava e dançava despreocupadamente. Após o arati ele veio ter o dharshan de Pujyapada Sridhara Maharaja, e no final da conversa que se seguiu, Sridhara Maharaja pediu-lhe para por favor honrar a prasada de Ekadasi. O sannyasi, porém, respondeu que por muitos anos ele estava mantendo um voto de fazer jejum de comida e líquidos no Ekadasi. Surpreso, Sridhara Maharaja disse: “Saltando alto no ar e dançando enquanto lidera o kirtan, e observando nirjala ao mesmo tempo?” Embora impressionado com o seu voto, Pujyapada Sridhara Deva perguntou-lhe novamente: “Não vais aceitar nada, nenhuma prasada de Ekadasi da nossa math?” A isso, o sannyasi respondeu que, embora esse tivesse sido seu voto por muitos anos, se isso agradasse a Sridhara Maharaja, ele o quebraria e honraria a prasada de Mahaprabhu. Sridhara Maharaja ficou muito satisfeito com sua resposta, e sempre que ele contava essa história, ele concluía que “Este sannyasi entendeu o Vaishnavismo”. Aproximar-se do Vaishnava, aproximar-se de Bhagavan, este é o propósito do Ekadasi-vrata. Em alguns casos, quebrar a regra é necessário para observar o seu espírito. Para cada lei há uma lei mais elevada no caminho para o amor, onde todas as leis encontram seu cumprimento.
Ekadasi é uma fase específica da lua, a qual é dito que tem uma certa influência nos fluidos – as marés sendo o principal exemplo. O corpo humano é constituído, mais do que qualquer outro elemento, por água, e durante o Ekadasi é dito que a água no corpo muda de tal maneira que coloca mais pressão nos sentidos, tornando-os mais propensos a desfrutar. Por esse motivo, o Ekadasi pareceria inauspicioso, pressionando nossos sentidos a desfrutar e assim impedindo nosso upavasa, ou aproximação de Hari. De acordo com essa forma de pensar, jejuamos para neutralizar a influência da lua e focar nossa energia em Bhagavan.
Ainda assim, Prabhupada disse que Ekadasi é o “mais auspicioso”, e que “não é sobre jejuar”. Mas como? Para o siddha, que vive na concepção aprakrta (transcendental porém semelhante a humana) do Absoluto, Krishna é como nós. Yasoda não está pensando que Krishna é o Deus Supremo, assim como os vaqueirinhos ou as jovens gopis também não pensam assim. “Meu filho”, “meu amigo”, “meu amante” – eles estão pensando nesses termos. Considerando que Krishna é humano, eles também pensam que no Ekadasi há a mesma pressão sobre os sentidos de Krishna para maior desfrute, e por isso podem lhe oferecer mais neste dia. “Podemos oferecer mais prasadam, podemos satisfazer seus sentidos mais, e apesar de já estarmos dando tudo, pela graça dessa fase da lua, ele pode aceitar ainda mais!”. Então eles aumentam todo seu serviço, e dessa forma é um dia muito auspicioso. Claro que eles também observam Ekadasi em consideração a perspectiva inferior em relação ao seu serviço a Narayana, sua deidade de casa. Eles observam viddhi (regras) no contexto de sua raga (apego amoroso).
Nós devemos tentar chegar a essa concepção aprakrta, fazê-la nosso ideal. Devemos tentar servir Krishna tão bem no Ekadasi que nosso jejum, ao invés de ser uma austeridade, é meramente o resultado da falta de tempo para comer por estarmos tão ocupados em servir seus sentidos.
(Artigo original em https://swamitripurari.com/2009/06/the-inner-meaning-of-ekadasi/)
Traduzido por Vraja-lila dd e revisado pela equipe do site.