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Sobre Fé e Razão

Quando a razão serve a revelação, ela encontra seu lugar adequado como um aspecto da fé. Como aspecto da fé, a razão é mais útil e bonita. Torna-se uma ferramenta da alma, em vez de sua traidora.

Em que sentido a razão é um aspecto da fé? Não é na fé que aqueles que não têm razão se refugiam? Essas questões trazem uma compreensão superficial da natureza da fé. Entendida na sua totalidade, a fé é a conformidade com a verdade, ao passo que o pensamento racional não passa de um meio imperfeito de apreensão da verdade. Conformar-se com a verdade envolve apreendê-la ou compreendê-la teoricamente, mas compreender teoricamente a verdade não requer necessariamente conformar-se a ela.

Como Karen Armstrong aponta em “A traição da tradição”, a palavra latina credo deriva de cordare; entregar o coração, comprometer-se. Tal compromisso promove a compreensão da verdade de uma forma que que não é possível com o isolamento intelectual. Com uma compreensão semelhante da fé (sraddha), o escolástico Vaisnava Thakura Bhaktivinoda, proeminente no século XIX, equivale esse conceito à rendição (saranagati). Da mesma forma, Sri Krishna no Bhagavad Gita, tendo despertado a fé de Arjuna na eficácia de bhakti, fala a ele que a aplicação prática dessa fé é a rendição.

O mundo superior e interior, o qual inclui dentro de seu círculo o mundo inferior e exterior, apresenta-se perante nós simbolicamente. Os seus símbolos, os seus mitos não são mais fatos em que se deva acreditar cegamente do que são os contos que devam ser provados empiricamente antes de serem aceitos. Mythos não é logos, mas também não é irracional abraçar o mítico e simbólico na busca de conhecer o que logos nunca pode revelar. Em vez disso, é ilógico dispensar completamente os mitos em nome do logos.

O fato de que a fé, em seu abraço do simbólico, é transracional, ou seja, envolve uma experiência além do que é possível através do pensamento racional, não implica que ela em si seja irracional. A fé surge do mistério que fundamenta a própria estrutura e a natureza da realidade, um mistério que nunca será inteiramente desmistificado, apesar do que aqueles que colocam a razão em seu altar podem querer que acreditemos. O aspeto incognoscível da experiência que dá origem à fé como um meio suprarracional de destrancar o mistério da vida – um meio para o qual a razão não tem a chave – sugere que a fé é fundamentalmente racional: é uma resposta lógica ao mistério. Quando nos encontramos com o Grande Desconhecido, devemos encontrar motivos para confiar.

Mas será que temos a certeza de que a razão não tem o potencial de desmistificar a vida? E se o fizer, qual será o resultado? Se a fé tem uma influência nas nossas vidas, não deveríamos ser capazes de a medir? Mas será que podemos medir uma simples linha para além de um sentido pragmático, de trabalho, que só tem valor para a realização de uma tarefa? Podemos medir o que é uma linha?

Timothy Scott argumenta que, se tentarmos entender uma linha como a soma de seus pontos, devemos começar a medida em um de seus pontos. Do ponto de partida da nossa medição, um segundo ponto na linha é considerado em relação ao primeiro. No entanto, assim que o medidor se move para o segundo ponto na linha, a relação entre o ponto original e o segundo ponto muda porque o ponto original agora não tem o elemento da experiência direta do medidor. Os dois pontos podem ser entendidos em relação um ao outro, mas seu relacionamento difere quando observado de qualquer ponto. Além disso, como Meister Eckhart aponta, um ponto não tem a qualidade de magnitude e, portanto, não prolonga a linha que é composta de pontos. Assim, por medição matemática, só podemos chegar a uma aproximação subjetiva da natureza de uma linha. Nós não podemos medi-la. Não é de admirar que a palavra sânscrita “maya“, muitas vezes traduzida como “ilusão”, também significa “medir”.

Precisamos medir a fé para acreditar em seu potencial revelador? É melhor questionar nossa fé no raciocínio e no empirismo em termos de sua capacidade de nos ajudar a chegar a um conhecimento abrangente. Além disso, a razão e o empirismo, por si sós, procuram tirar o mistério da vida e embrutecê-la. A fé, pelo contrário, afirma a natureza misteriosa da vida. E se a fé é a doação do coração, ela tem a ver com o amor, na ausência do qual a razão, por si só, não se qualifica como uma substituta.

(Artigo original em http://swami.org/articles/?post=on-faith-and-reason)

Traduzido por Prananvananda das e revisado pela equipe do site.

Posted in Visão védica

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