O Deus dos deuses: Govardhana Lila

Krishna está chamando a atenção, não apenas dos habitantes de Vrindavan, mas de todos nós, para aquilo que é essencial, o que é central para nosso bem-estar e nossa satisfação. Depois de saber de Nanda Maharaja, por meio de várias perguntas, sobre a natureza do sacrifício que estavam preparando, o Indra yajna, ele então descartou tudo e direcionou o entusiasmo de todos e toda a parafernália que havia sido reunida para a adoração de Govardhana. Por quê? “Nosso sustento é derivado do ‘go‘, das vacas”, disse Krishna, “e aquilo que aumenta o sustento das vacas, as nutre e as faz florescer – isso é essencial para nós”. Esse é o Govardhana Puja.

De certa forma, Krishna está nos dizendo que devemos concentrar nossa energia onde ela será mais benéfica. Não na periferia, mas no centro. A vida é curta; o tempo é limitado. Devemos aprender a fazer o máximo por nossos interesses pessoais no menor espaço de tempo possível. Devemos identificar e determinar o que é essencial. Essa é a própria ideia de bhakti: direcionar nossa natureza e tendência inatas de servir para aquele lugar onde obteremos o maior benefício. Há um ponto no cérebro em que, quando pressionado, o corpo inteiro fica paralisado. Então, é semelhante: ao pressionar esse único ponto, a consciência de Krishna, paralisaremos, suspenderemos completamente nossa vida material e teremos acesso à vida real – a vida espiritual.

A vida espiritual é o nosso interesse próprio e o nosso interesse próprio está no sacrifício. Portanto, em vez de adorar Indra ou qualquer outra pessoa, Krishna ensinou os habitantes de Vrindavan, na ocasião da lila de Govardhana, a adorar as vacas e aquilo que dá vida às vacas, que dá vida aos vaqueiros. “Go” significa vaca, “vardhana” significa nutrir. Go também significa veda. Portanto, com essa mesma ideia, ele nos ensinou a nos concentrarmos de modo que o verdadeiro coração do go – do veda – seja nutrido e revelado.

Krishna está dizendo: “Adoremos o que realmente significa os Vedas. Façamos o que vai trazer à tona, estimular e expandir o que os Vedas realmente representam”. Essa é a verdadeira ideia de bhakti. Assim, na lila de Govardhana, Krishna surge para todos os habitantes de Vrindavan e para todos nós como o Deus supremo dos deuses, como o indra (deus) de Indra.

A natureza da lila de Krishna é tal que seus devotos e ele próprio estão envolvidos em um relacionamento íntimo que, pela necessidade de intimidade, faz com que o Absoluto pareça finito. Para que o finito se aproxime do infinito, o infinito assume uma aparência finita, mas se mantem o fato que ele é infinito e supremo ao extremo. Então, Krishna diz: “Deixe de lado todo esse arranjo para adorar Indra, vamos adorar Govardhana, a colina que sustenta nossas vacas e, portanto, nós”. Esse é o significado do Govardhana Puja.

Krishna diz no Bhagavad-gita, vedais ca sarvair aham eva vedyo vedanta vit veda krt eva caham, “Eu devo ser conhecido por todos os Vedas, o Vedanta é compilado por mim”. Se você realmente quer adorar os Vedas, saiba que eles estão procurando por mim, encontrando-me. Isso nos nutrirá. Assim como o eu, a alma, é mais querido para nós do que o corpo, Krishna, Govinda, é mais querido do que nossa própria alma, sendo a fonte de seu sustento. Portanto, Krishna diz: “Deixe de lado o Indra yajna e adore Govardhana”. E ele diz a todos como realizar o puja de Govardhana: oferecendo pilhas e pilhas de comida, e a deidade de Govardhana apareceu e pediu comida.

Perto do final da lila de Govardhana, os deuses proclamam que Krishna é a Divindade suprema, que a adoração a Ele é o verdadeiro interesse de todos. A melhor maneira de atender ao nosso interesse próprio é adorando Govinda. Temos que nos doar, pois essa é a nossa própria natureza. Somos uma unidade de tendência à doação. Nós nos doamos à mente, nos doamos ao chamado dos sentidos, ao mundo. Temos de encontrar aquele lugar onde a doação de nosso próprio ser, nosso interesse próprio, será levado ao extremo. E na vida humana temos a chance de fazer isso, mas o tempo é curto. Portanto, todos os deuses desta lila nos proclamaram que isso é o que deve ser feito. Todos eles estão adorando Krishna. Mas como adorá-lo? A forma como os deuses o fizeram é uma maneira. Mas a forma como os amigos de Krishna e os outros habitantes de Vrindavan o adoravam – isso era muito, muito melhor e muito extraordinário! Todos eles estavam brincando, se divertindo e fazendo piadas. Quando os semideuses voaram para o céu, os amigos de Krishna se agruparam novamente em torno dele e começaram a pegar a parafernália e a bater em suas costas, rindo: “Por que você está usando essa coroa?” “Quem era aquele sujeito com as quatro cabeças oferecendo orações e dandavats?” “E o que era aquele elefante engraçado e aquele cara com olhos por todo o corpo?” E assim por diante, brincando enquanto Krishna ria com eles, compartilhando os presentes dos deuses, decorando-os e assim por diante.

E enquanto os deuses voavam, vendo o comportamento de Krishna com seus amigos, eles pensaram nos ornamentos que haviam dado a Krishna e em como ele estava então compartilhando com seus amigos. Eles puderam ver que o único valor dos ornamentos é que eles servem para esclarecer a natureza do amor muito especial que esses amigos têm por Krishna. Esse tipo de adoração.

Em tudo isso, é claro, as gopis não foram deixadas de fora. Na lila de Govardhana, elas tiveram a chance de ver Krishna ao ar livre. Tiveram a chance de tocar Krishna quando estavam circundando a colina e as vacas. E quando Krishna queria se aproximar de uma gopi, Ele torcia a cauda de um bezerro e empurrava o bezerro na direção daquela gopi e, então, Ele tinha que ir buscar o bezerro e, na luta, Krishna roçava nelas e elas conseguiam tocá-Lo e a vida delas era bem-sucedida.

Normalmente, para as gopis, olhar para Krsna seria suspeito, não era apropriado. Mas quando ele estava levantando a colina, todos tiveram a chance de olhar. Não havia mal algum se elas olhassem diretamente para ele, e ele olhava indiretamente para elas. Diz-se que ele manteve a mão com o dedo mínimo levantado. Ele segurava o monte em um dedo para que os outros pudessem ser dobrados para baixo e não bloqueassem sua visão. Dessa forma, ele podia ver através dela e dar uma olhada nas gopis e em Sri Radhika. Portanto, nossos acaryas Gaudiya disseram que ele obteve a energia para levantar a colina Govardhana de Radhika, sua sakti primordial, olhando para ela, pensando nela.

Assim, as gopis tiveram a oportunidade de se aproximar mais de Krishna do que haviam feito até então, o que foi sua grande alegria. E Krishna se retirou para seus aposentos e o que ele fez? Tocou a flauta de bambu que o Senhor Siva lhe dera. Jiva Goswami disse que ele tocou “tu, tu, tu, tu…”. “Tu” é um termo de familiaridade que significa “você, você, você…”. E todas as gopis ouviram: “Estou chamando… você, você, você”, e seus corações se alegraram ao pensar que Krishna estava realmente reconhecendo seus sentimentos mais profundos por ele.

Esse tipo de devoção, esse tipo de adoração, é o que Caitanya Mahaprabhu nos ensinou a fazer, a aspirar. Bhaktivinoda Thakura disse no Caitanya-siksamrita que apenas aspirar a isso é uma forma poderosa de adoração. Podemos não ser qualificados, mas ter isso como nossa aspiração é tão poderoso, tão cativante para Krishna: “Assim como meus amigos e familiares me adoram, você tem algum apreço por isso, você aspira por isso”. Isso atrai muito a atenção de Krishna para nós.

Os deuses proclamaram a supremacia de Krishna, e Krishna, com seus amigos, dançou na floresta em suas atividades despreocupadas de pastoreio de vacas até chegar em casa, vestidos e decorados como deuses do céu. Portanto, devemos ter esse tipo de aspiração por Vraja bhakti e entender o Govardhana Puja dessa forma.