Por Swami Sri Bhaktivedanta Tripurari, extraído de seu próximo livro, Circle of Friends (“Círculo de amigos”, tradução livre), como parte de uma série de artigos sobre Balarāma Tattva.
Quando Kṛṣṇa retornou a Rāma e ao círculo maior de vaqueiros, ele, que era a morada da felicidade – sukha-nidhi -, sentou-se confortavelmente em sukhāsana sob a grande figueira-de-bengala que realizava desejos e que deu nome à floresta – Bhāṇḍīravana. Enquanto Hari se sentava casualmente, Śrīdāma e Sudāma engajaram seus seguidores na decoração de seu amado amigo com flores da floresta. Alguns meninos colheram flores; outros as transformavam em guirlandas; outros fizeram brincos de flores, braceletes e tornozeleiras de flores. Especialistas na arte da decoração, alguns meninos fizeram outros ornamentos florestais únicos, enquanto Sudāma-sakhā pessoalmente decorava Kṛṣṇa sob o olhar admirado de Balarāma.
No entanto, observando tal adoração, Madhumaṅgala protestou contra o fato de que, na presença de um brāhmaṇa como ele, em meio a meros vaqueiros, tal atenção de adoração deveria ter sido dirigida a ele, insistindo que agora ele fosse decorado melhor do que Hari. Sudāma, sorrindo internamente, concordou reverentemente e voltou sua atenção para Madhu. Ele levou o dvija-rāja para um local separado e começou a ornamentá-lo, fazendo-o parecer, na melhor das hipóteses, um palhaço, sem o próprio menino brāhmaṇa perceber. Ansioso porque a ornamentação havia sido concluída, Madhu perguntou como sua aparência se comparava à de Hari, e Sudāma lhe assegurou que sua beleza excedia a do filho de Nanda. Satisfeito, ele caminhou de mãos dadas com Sudāma até o meio dos gopas, que o cercaram dançando, gritando, uivando e rindo dele. Perplexo com a reação deles, ele não sabia o que pensar até que viu seu reflexo na água límpida do Yamunā. Indignado, ele perseguiu Sudāma, que correu e se escondeu atrás de Kṛṣṇa.
Sudāma zombou de Madhumaṅgala: “Ah! Que belo resultado você alcançou por suas más ações!” E Madhu, por sua vez, jurou fazer com que Sudāma se parecesse com o que ele havia feito com ele. Dessa forma, eles trocaram insultos e se gabaram até que começou uma luta. Braços e pernas voando, corpos rolando na poeira em meio a gritos de angústia e vitória de ambos os lados, até que finalmente o rechonchudo Madhumaṅgala se cansou e se soltou, abrigando-se atrás de Hari. Apesar de sua aparente derrota, ele raciocinou de outra forma para sua própria satisfação, preservando sua dignidade, proclamando sua proeza e protestando que brāhmaṇas como ele deveriam ser protegidos pelo filho do rei Nanda contra esses vaqueiros indisciplinados, que, devido ao seu temperamento vaiśya, eram propensos a trapacear. Assim, Kṛṣṇa prometeu protegê-lo e ele mesmo desafiou Sudāma, levando a empolgação a outro nível. Em seguida, Śrīdāma deu um passo à frente e afirmou que, devido à exaustão de Sudāma e para que a luta fosse justa, ele deveria tomar o lugar de Sudāma, transformando a luta em uma disputa entre duas equipes. Sudāma então marcou Śrīdāma e Madhumaṅgala soltou a mão de Kṛṣṇa.
A turma de vaqueiros rapidamente tomou partido, torcendo por Kṛṣṇa ou Śrīdāma. Vendo o entusiasmo deles com a disputa, Kṛṣṇa sugeriu que a ação fala mais alto do que as palavras e desafiou cada um dos meninos de ambos os lados a participar da disputa, enfrentando um ao outro. Em seguida, Kṛṣṇa anunciou que aqueles que perdessem seriam obrigados a carregar os vencedores nos ombros. Ele então se elegeu como líder de um lado e Rāma como líder do outro. Sem pensar duas vezes, os meninos se juntaram no jogo de hariṇākrīḍanaṁ:
Eles então jogaram o jogo infantil conhecido como hariṇākrīḍanaṁ, no qual cada menino fazia par com um oponente e todos os meninos atacavam simultaneamente seus respectivos rivais.
Viṣṇu Purāṇa 5.9.12
Subhadra contra Gobhaṭa, Yakṣendra contra Vīrabhadra, Bhaṭa contra Mahāgūṇa, Vijaya contra Bhadrāṅga, Bhadrabhūṣaṇa contra Bhadravardhana, Dāma contra Vasudāma, Stokakṛṣṇa contra Kiṅkiṇī, Bhadrasena contra Vṛṣabha, Viṭaṅka contra Puṇḍarīka, Kalaviṅka contra Aṁśumāna, Ujjvala contra Subala, Arjuna contra Gandharva, Varūthapa contra Sucandra, Devaprastha contra Maranda, e assim por diante. Embora os meninos amassem Rāma e Kṛṣṇa igualmente, alguns geralmente seguiam Rāma e outros geralmente seguiam Kṛṣṇa. Jīva Goswāmī comenta que, a fim de aumentar a medida de sakhya-rasa, Kṛṣṇa colocou seus seguidores do lado de Rama e levou os seguidores de Rama para o seu lado.
Com a ajuda dos grandes ramos da grande figueira-de-bengala, os vencedores seriam ajudados a subir nos ombros dos perdedores. A Bhāṇḍīra também ajudava na brincadeira fornecendo sombra contra o sol do verão. No Hari-vaṁśa Purāṇa há a seguinte descrição:
Ela era tão grande que parecia uma montanha que cobria metade do céu. Muitas variedades de pássaros azuis e de outras cores freqüentavam aquela grande árvore, cuja folhagem abundante fazia com que se parecesse com uma nuvem acompanhada de um arco-íris ou uma casa decorada com trepadeiras e flores. Ela estendia suas amplas raízes para baixo e carregava consigo as nuvens santificadas acima . Essa figueira-de-bengala era como o senhor de todas as outras árvores da vizinhança, pois realizava o auspicioso serviço de afastar a chuva e o calor do sol. Tal era a aparência daquela figueira-de-bengala, que parecia o pico de uma grande montanha.
Hari-vaṁśa Purāṇa, Viṣṇu-parva 11.18-22
No entanto, em meio a toda essa mādhurya, a aiśvarya-śakti de Kṛṣṇa deu lugar à sua onisciência e, assim, ela estava parcialmente envolvida em sua sugestão de que dois lados deveriam ser formados e os vencedores recompensados com o privilégio de fazer de seus oponentes seus palanquins. Como isso aconteceu? Entre os meninos, disfarçado como um deles, estava o capanga de Kaṁsa, Pralamba, com a intenção de fazer o trabalho sujo de seu mestre. Chamando Rāma para seu lado, Kṛṣṇa o apontou para seu irmão.
Anteriormente, no texto do Bhāgavata, Śukadeva aponta que Pralamba, entre outros, era um inimigo formidável da dinastia Yadu, com a qual Balarāma estava diretamente conectado, sendo o filho de Vasudeva. Assim, Kṛṣṇa desejava honrar Rāma e torná-lo famoso por derrotar Pralamba. Enquanto os meninos escolhiam os lados e se enfrentavam, Pralamba, disfarçado de vaqueiro, não tinha certeza de qual lado se filiar e a quem enfrentar, pois estava socialmente desajeitado, como um desconhecido entre amigos. Entretanto, ele foi capaz de entender como Balarāma era afetuoso com Kṛṣṇa e também que Kṛṣṇa era um oponente digno. Assim, ele pensou que seria melhor matar primeiro Rāma, que ele considerava o mais fraco dos dois irmãos, e, ao fazê-lo, enfraquecer a determinação de Kṛṣṇa e depois matá-lo também. Entendendo sua mente e desejando transmitir as glórias de Rāma, Kṛṣṇa rapidamente o escolheu para estar do seu lado e o colocou contra aquele que Pralamba considerava meramente “o filho de Rohiṇī”, sem a proeza do filho de Yaśodā, Kṛṣṇa. Śyāma, então, enfrentou Śrīdāma.
Quando o lado de Rāma venceu, Kṛṣṇa carregou Śrīdāma, e Rāma montou nos ombros de Pralamba. Entretanto, enquanto o jogo envolvia carregar o vencedor de volta para a grande figueira-de-bengala, Pralamba correu na direção oposta, agarrando Rāma, a quem carregava em seus ombros. Novamente, ele pensou que, embora Kṛṣṇa fosse poderoso, Rāma não o era, mas como Rāma era um objeto de afeição de Kṛṣṇa, Kṛṣṇa o protegeria se ele tentasse matar Rāma na presença de Kṛṣṇa. Mas se ele matasse o mais fraco Balarāma na ausência de Kṛṣṇa, ele teria sucesso tanto em matar Balarāma quanto em devastar emocionalmente Kṛṣṇa. Enquanto isso, Kṛṣṇa mais uma vez procurou esclarecer as coisas quanto à proeza de seu irmão mais velho – em relação à igualdade dos gêmeos – permitindo que Rāma matasse o mais importante entre os demônios – Dānava-puṅgavaḥ.
Apesar de Kṛṣṇa ter informado a Balarāma que Pralamba era um demônio disfarçado, Rāma se absorveu tanto na competição que tratou Pralamba de acordo com sua vestimenta de vaqueiro – como um amigo vaqueiro. No entanto, Pralamba começou a ter dificuldades com o peso de Balarāma enquanto fugia com ele em seus ombros. Embora qualquer vaqueirinho de Vraja pudesse carregar Balarāma com a força de seu amor por ele, um demônio como Pralamba não conseguia suportar o peso de quem Rāma realmente era. Assim, Pralamba se cansou rapidamente e, em um esforço para compensar a gravidade da situação em que agora se encontrava, ele expandiu sua forma, sua vestimenta de vaqueiro caiu no chão e sua aparência real se manifestou. Em Vraja, só há beleza. Assim, até mesmo a forma demoníaca de Pralamba, escura e com uma armadura dourada, parecia bela como uma nuvem escura que lança raios enquanto carrega a lua. A princípio, Balarāma parecia preocupado, pois sua mādhurya e aiśvarya vacilavam entre si, produzindo uma mistura de sentimentos. Contudo, sua preocupação nunca foi com sua própria segurança, mas sim em consideração de que talvez houvesse outros demônios vestidos de vaqueiros e que ele deveria estar entre os vaqueiros para proteger Kṛṣṇa. Balarāma também estava preparado para matar Pralamba somente depois que ele tivesse despido sua roupa de vaqueiro. Sua preocupação, portanto, coincidiu com a revelação da verdadeira identidade de Pralamba, e, assim, Balarāma o eliminou e voltou para o grupo de vaqueiros na base da figueira-de-bengala, onde Kṛṣṇa chegara sem fôlego por carregar Śrīdāma em seus ombros. O amor de Śrīdāma era, de fato, bastante pesado e profundo para ter se expressado dessa forma, para o espanto de Śukamuni, conforme expresso no texto do Bhāgavata ¹.
Śukadeva descreve Balarāma em sua narrativa de kīrtana como bala-śālinā, “aquele que tem poderes especiais”, ou, mais especificamente em relação ao humor de Rāma nessa līlā em particular, “aquele que tem a qualidade de louvar a força de Kṛṣṇa”. Em outras palavras, Balarāma sentiu: “Eu matei esse demônio por causa do poder com o qual Kṛṣṇa me abençoou”. E, compreendendo o amor de Rāma por Kṛṣṇa, os outros sakhās ficaram maravilhados com a sakhya-rati de Rāma. Eles comemoraram seu triunfo e o elogiaram – “sādhu sādhu” – ao mesmo tempo em que expressaram seu espanto pelo fato de Pralamba ter se disfarçado como um deles. O fenômeno dos demônios vestidos de devotos nunca deixa de surpreender os devotos.
Assim, o grupo de vaqueiros, imerso no prema de preyo-bhakti, cercou e abençoou profusamente Balarāma – āśiṣo ‘bhigṛṇantas taṁ – “Que você brinque afetuosamente para sempre com seu irmão mais novo em Vraja e, ao fazê-lo, proteja-nos também”, enquanto o próprio Rāma se dirigia a Kṛṣṇa. Jaya Rāma! Jaya Kṛṣṇa! Jaya Gopavṛndapāla!
Notas de rodapé:
¹ “Ó rei! Śukadeva exclama com espanto sobre como o Senhor é controlado por seus devotos”. Vaiṣṇava-toṣaṇī, comentário de Sanātana Goswāmī sobre o Śrīmad Bhāgavatam 10.18.23.
(Artigo original em https://harmonist.us/2020/08/balarama-slays-a-false-friend/)
Traduzido por Vraja-lila dd e revisado pela equipe do site.